Edvaldo Santana
Diretor executivo na NEAL – Negócios de Energia Associados Ltda
“Há cerca de uma semana, em post que não foi possível confirmar a autenticidade, alguém, a partir de alguns números que pareciam reais, afirmava que, com a evolução da solar, com o tempo, no Brasil, seria reduzida a dependência das UHEs. Não era a primeira vez que eu tinha lido sobre isso. Vamos ver se é verdade.
Suponha um sistema cuja oferta só tenha duas fontes, solar e UHEs, com potência instalada de 50 GW e 100 GW, respectivamente. Entre 11 h e 14 h a carga é de 100 GW, e cada fonte atende 50%. Entre 14 h e 18 h, a geração média da solar cai para 15 GW e a carga passa 110 GW
A partir do início da redução da solar, até chegar a zero, a rampa, em cerca de 4 horas, é entre 45 e 60 GW. Não é simples, mas é um valor possível para quem tem 100 GW.
Agora admita que a potência da solar passou para 100 GW. Nessa condição, tal fonte atenderia toda carga entre 11 e 14h. Só que agora o esforço das UHEs para “subir” a rampa seria de 95 GW, que é impossível, todos os dias, o ano todo, para uma potência total de 100 GW, mesmo que tal potência tenha flexibilidade de 100%. Sem contar que as UHEs prestam outros serviços, além dos diversos tipos de reservas. Assim, no exemplo, elevação da capacidade instalada da solar exigiria bem mais que 100 GW de hidrelétricas.
E se, além das UHEs existissem outras fontes, como no Brasil? O problema não muda muito. O volume de GWs necessário para subir a rampa até diminuiria, mas seguirá a aumentar na proporção direta do crescimento da solar, isto é, da inclinação e do comprimento do “pescoço do pato”.
Em palavras simples, o aumento da participação da solar sempre exigirá a contribuição de outras fontes flexíveis, que, nas condições atuais, são as UHEs e as UTEs a gás natural. E mais: a elevação da participação das fontes intermitentes, sobretudo da solar, torna o sistema menos flexível, o que aumenta a probabilidade de deterioração do limite de potência, e é natural que seja assim.
Esta é uma das principais razões de o ONS insistir no LRCP e, pelo que foi noticiado, exigir prontidão das UTEs.
Assim, é lenda que o aumento da participação da solar reduzirá a dependência das hidrelétricas. Acho até que a pessoa quis afirmar outra coisa, como, por exemplo, que a solar, em algumas horas do dia, supriria uma maior proporção da demanda, o que é ótimo, mas isso não implica reduzir a dependência de fontes flexíveis.”