LIBERALIZAÇÃO DO MERCADO DE ENERGIA: PRINCIPAIS TENDÊNCIAS E IMPACTOS NOS NEGÓCIOS
Os operadores de redes de distribuição e transmissão enfrentam o desafio de modernizar a infraestrutura para se adaptarem a um mercado cada vez mais descentralizado.
O setor de energia tem vivenciado uma profunda transformação nas últimas décadas, especialmente com o advento da liberalização do mercado. As mudanças que o setor está passando refletem não só uma maior eficiência operacional, mas também um comprometimento crescente com a sustentabilidade e a inovação tecnológica. Neste contexto, as tendências que surgem na área de distribuição, geração e comercialização de energia são cada vez mais decisivas para o futuro da indústria.
O impacto da liberação no mercado de distribuição é um exemplo disso. Embora geralmente caracterizado por monopólios naturais devido à dificuldade de duplicação de infraestrutura, está sendo transformado pela liberalização. Esse processo envolve a separação legal e funcional das atividades, garantindo que a neutralidade seja mantida. Ou seja, a distribuição de energia é feita sem favorecer nenhum agente do mercado. Empresas de distribuição precisam estar independentes dos varejistas, mas, em muitos casos, fazem parte do mesmo grupo empresarial.
Além disso, os operadores de redes de distribuição e transmissão enfrentam o desafio de modernizar a infraestrutura para se adaptarem a um mercado cada vez mais descentralizado. As energias renováveis, o autoconsumo e as redes inteligentes exigem soluções inovadoras para garantir o fluxo de eletricidade em fluxos bidirecionais, conectando consumidores que geram sua própria energia à rede. A digitalização da rede é uma das chaves para otimizar a gestão da distribuição. Medidores inteligentes e sistemas de análise de dados, como IoT e Big Data, oferecem uma visibilidade em tempo real do consumo de energia, facilitando o engajamento dos consumidores e a otimização da rede.
Nesse contexto, a liberalização do setor de geração de energia tem sido uma das transformações mais significativas. Anteriormente dominado por monopólios verticalmente integrados, o setor agora está imerso em um ambiente competitivo. Esse movimento trouxe diversas mudanças, sendo uma delas a transição de preços controlados para um modelo orientado pelo mercado. A competição no mercado atacadista, baseada em pools de energia, reflete os custos marginais e a demanda do mercado, gerando um ciclo de inovação e redução de custos.
Por isso, a geração de energia está se diversificando. O incentivo a fontes renováveis, como solar e eólica, tem sido uma tendência crescente, especialmente com o apoio de incentivos regulatórios e subsídios.
Essas fontes se tornaram mais competitivas, reduzindo seu custo e tornando-as viáveis economicamente. No entanto, para equilibrar a geração intermitente das renováveis, tecnologias como as turbinas a gás de ciclo combinado (TGCC) e o armazenamento de energia se destacam como soluções essenciais para garantir a estabilidade da rede.
A digitalização também está transformando a geração de energia. Sistemas de monitoramento em tempo real e plataformas automatizadas estão otimizando a operação das usinas, enquanto a análise de dados permite um gerenciamento mais eficiente da produção e participação no mercado. Modelos preditivos, baseados em dados, estão cada vez mais presentes nas estratégias operacionais, contribuindo para a otimização dos processos de licitação e previsão da demanda.
Quando falamos no fornecimento de energia, especialmente após a liberalização, teremos desafios tanto para as empresas que já operam no mercado como também para os novos entrantes. Para as empresas já consolidadas, a separação entre as operações de distribuição e fornecimento será uma oportunidade de inovar e criar um modelo de negócios centrado no cliente. O desenvolvimento de uma identidade própria e a oferta de serviços diferenciados, como formato multiutilitário, são estratégias fundamentais para conquistar e fidelizar consumidores. Já para os novos players, o desafio é estruturar uma operação desde o início, com foco em simplicidade e escalabilidade. A utilização de plataformas digitais para gerenciamento de clientes e a automatização dos processos operacionais serão essenciais nessa trajetória para competir de maneira eficiente e sustentável no novo mercado.
As tecnologias digitais estão, sem dúvida, moldando a comercialização de energia. Com a necessidade de maior transparência e melhores formas de interagir com os consumidores, a inovação no uso de CRM, canais digitais de vendas e marketing se torna um diferencial competitivo para as empresas fornecedoras. Além disso, a flexibilidade de integrar novas formas de geração e consumo, como o autoconsumo, é uma tendência crescente que vai redefinir a relação entre as empresas de fornecimento e os consumidores. A digitalização, inclusive, é a principal tendência que permeia todas as áreas do setor de energia. A introdução de tecnologias como a Inteligência Artificial (IA), Internet das Coisas (IoT), Big Data e Blockchain torna as operações mais eficientes e transparentes. Enquanto isso, a implementação de redes inteligentes (smart grids) e microredes otimiza o gerenciamento de fluxo de eletricidade, facilitando a integração de fontes renováveis e descentralizadas ao sistema.
Outras tendências que apoiam a evolução do setor é a automação das operações de manutenção, a utilização de drones para inspeções e a análise preditiva para a gestão de ativos. A adoção de modelos como Digital Twin, que simula o comportamento dos ativos em tempo real, também segue como uma aposta crescente, permitindo a otimização da gestão de redes e usinas. O uso de plataformas digitais, aliadas à análise de dados, está também facilitando a participação ativa do consumidor, o que pode trazer novos modelos de negócios e uma maior personalização na oferta de serviços.
Diante disso, quando falamos em sustentabilidade, a descarbonização é uma das grandes prioridades do setor de energia. A pressão por reduzir as emissões de gases de efeito estufa tem levado as empresas a reestruturar seus modelos de negócios e a investir em soluções sustentáveis. A transição energética, impulsionada pela inovação tecnológica e pelas políticas públicas, requer investimentos em novas infraestruturas, como as redes de armazenamento de energia e a integração de fontes renováveis ao sistema elétrico.
Porém, a descarbonização não é isenta de desafios. A intermitência das fontes renováveis, como solar e eólica, exige soluções tecnológicas que garantam a estabilidade da rede elétrica. O armazenamento de energia e as usinas de ciclo combinado têm se mostrado essenciais para garantir a flexibilidade para suportar essa transição. Além disso, a descentralização da geração e a implementação de sistemas de energia distribuída (DERs) desafiam as empresas tradicionais de geração e distribuição, que precisam adaptar seus modelos de negócios para lidar com esse novo cenário.
Podemos perceber que o setor de energia está atravessando uma revolução. A liberalização do mercado trouxe novos desafios, mas também abriu portas para inovação, digitalização e sustentabilidade. O futuro do setor de energia será construído com base na capacidade de se adaptar rapidamente a essas transformações e explorar as oportunidades que surgem com elas. Em um cenário tão dinâmico, é fundamental que os executivos e líderes do setor mantenham uma visão estratégica e integrada, garantindo não apenas a competitividade, mas também a contribuição do setor para um futuro mais sustentável e eficiente para todos.
Fonte - Portal CanalEnergia
PwC: 75% DOS CONSUMIDORES BRASILEIROS QUEREM COMPRAR VEÍCULOS ELÉTRICOS ATÉ 2029
Pesquisa feita por consultoria indica que sustentabilidade pesa na escolha e que Brasil pode ser líder na transição na AL
Dados da pesquisa “Rumo à mobilidade elétrica - Expectativas e prontidão dos consumidores para a era dos veículos elétricos”, da Strategy, consultoria estratégica da PwC, sinalizam que 75% dos consumidores brasileiros têm a intenção de adquirir veículos elétricos até 2029, um percentual que supera a média global de 62%. De acordo com a PwC, o Brasil está na liderança da transição para essa tecnologia na América Latina. O interesse reforça o potencial do país em avançar no mercado de mobilidade elétrica, impulsionado pela busca por soluções mais sustentáveis e alinhadas à redução de emissões de carbono.
O levantamento foi realizado com 17 mil participantes em 27 países, incluindo o Brasil, e avalia a prontidão dos consumidores para a mobilidade elétrica, as barreiras e expectativas relacionadas à adoção de veículos elétricos. O estudo revela ainda que países e regiões em desenvolvimento, como América Latina, Indonésia, China e Índia, apresentam maior interesse pela mobilidade elétrica, com até 80% dos consumidores classificados como "leads" — aqueles que pretendem adquirir um VE em até cinco anos.
No Brasil, os fatores que mais impulsionam o interesse são a economia de combustível, a possibilidade de recarregar o veículo em casa e o menor impacto ambiental. De acordo com Adriano Correia, sócio e líder da indústria de Energia e Serviços de Utilidade Pública da PwC, a mobilidade elétrica é um tema central na busca por sustentabilidade e na transição energética para uma operação de baixo carbono.
A pesquisa também destaca que 65% dos proprietários de veículos elétricos em todo o mundo dependem de soluções privadas para recarga, evidenciando a importância de investimentos em infraestrutura pública. No Brasil, o cenário de mobilidade elétrica segue promissor, com consumidores demonstrando interesse crescente e alta satisfação com este tipo de veículo. Nenhum dos proprietários entrevistados voltaria a usar modelos com motor de combustão interna.
Apesar do otimismo, Correia destaca que desafios, como a infraestrutura de carregamento insuficiente e os altos custos iniciais dos veículos elétricos, especialmente em comparação aos modelos a combustão, ainda limitam a adoção em maior escala. Para ele, o avanço da eletrificação é um passo fundamental para alcançar os compromissos do Acordo de Paris, mas que há entraves a serem superados antes da massificação dos veículos elétricos.
Fonte - Portal CanalEnergia
ANEEL ALTERA REGRAS PARA CONTRIBUIÇÃO DE ILUMINICAÇÃO PÚBLICA
Emenda constitucional de 2023 havia ampliado o escopo da cobrança
Após realização de Consulta Pública sobre o tema, suscitada por uma emenda constitucional, a Aneel fará alterações nas regras para a contribuição de iluminação pública. A emenda diz que cidades poderão instituir contribuição para custeio, expansão e melhoria do serviço de iluminação e de sistemas de monitoramento para segurança de logradouros públicos ampliando a destinação. Essa contribuição deve ser cobrada pela distribuidora nas faturas de energia elétrica nas condições estabelecidas na legislação.
Para a alteração, a Aneel aprovou aprimoramento da Resolução Normativa 1.000/2021 e o Módulo 11 do Prodist para contemplar a novas disposições.
A CP recebeu contribuições de dez participantes, como Cemig, Copel, Enel e de conselhos de consumidores da EDP Espírito Santo e Enel Distribuição Ceará.
Fonte - Portal CanalEnergia
MANTRAS REGULATÓRIOS OU SOLUÇÕES REAIS? O CAMINHO PARA RESOLVER O CONSTRAINED-OFF
A questão foi deslocada da arena regulatória para a seara judicial e se encontra até mesmo em debate por um Grupo de Trabalho (GT) do Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE), de maneira que é um dos assuntos mais quentes do setor elétrico no momento
O tema do constrained-off tem mobilizado o setor elétrico brasileiro (SEB) nos últimos tempos. Basicamente, se trata da regra regulatória estabelecida pela ANEEL para realizar o ressarcimento aos geradores solares e eólicos, quando o Operador Nacional do Sistema (ONS) determina a redução de geração das usinas (conhecido no setor por “curtailment”) com o objetivo de manter o equilíbrio “carga x geração” do Sistema Interligado Nacional (SIN).
Atualmente, o constrained-off é classificado pelo ONS em três categorias: Indisponibilidade Externa (que ocorre por fatores externos aos geradores, alheios à operação regular do setor elétrico, como a indisponibilidade de uma linha de transmissão devido a um incêndio florestal), Confiabilidade Elétrica (também decorrente de fatores externos aos geradores, mas relacionados à operação regular do setor elétrico, como restrições elétricas que impedem o escoamento de energia por razões de estabilidade ou segurança do SIN, por exemplo, para controle de frequência do sistema) e Razão Energética (que ocorre quando a geração supera a carga a ser atendida, exigindo a redução da geração para equilibrar o sistema).
A questão foi deslocada da arena regulatória para a seara judicial e se encontra até mesmo em debate por um Grupo de Trabalho (GT) do Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE), de maneira que é um dos assuntos mais quentes do setor elétrico no momento. No âmbito da ANEEL, recentemente, relatei dois processos [1] em que levei entendimentos que exploro neste artigo, mas que não prevaleceram no Colegiado.
Na presente oportunidade, trago um ponto de vista no sentido de valorizar a Agência Reguladora, chamando atenção para o fato de que o gargalo do problema (ressarcimento aos geradores) é matéria eminentemente regulatória, permitindo que a ANEEL realize, por conta própria, o aprimoramento e atualização dos normativos vigentes.
Para tanto, devemos combater alguns “mantras regulatórios”. No cotidiano, mantras são frases repetidas como forma de reforçar crenças e orientar atitudes. No ambiente regulatório, no entanto, algumas frases ou expressões acabam sendo repetidas como dogmas rígidos que não só impedem a reflexão, como bloqueiam qualquer análise crítica em temas relevantes.
Assim, sem muito esforço, os “mantras regulatórios” se tornam barreiras à atualização e modernização de regras, afastando a atividade regulatória da realidade dinâmica da sociedade e do mercado regulado.
O primeiro desses mantras é o argumento de que “não seria possível rever norma recentemente aprovada pela Agência”. Normalmente, esse tenderia a ser o melhor posicionamento, mas quando se observa que a norma não está permitindo que o mercado se desenvolva sem sobressaltos, revela-se prudente refletir sobre a necessidade de alteração da regra como uma maneira de endereçar o problema existente. No caso, temos a Resolução Normativa (REN) 1.030, que consolida os atos normativos relativos à temática “Produção e Comercialização de Energia Elétrica”, em especial a REN 927 (constrained-off de usinas eólicas) e a REN 1.073 (constrained-off de usinas solares).
A Resolução aplicável às usinas eólicas (REN 927) foi aprovada em reunião extraordinária pela ANEEL em 19 de março de 2021, em cumprimento à decisão judicial do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, que havia dado 60 dias para conclusão da regulamentação, sob pena de multa diária de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais).
Foi nesse processo administrativo (REN 927) que se estabeleceram as três classificações de corte de geração referidas acima, bem como inaugurada também a previsão de franquia mínima (piso) para o recebimento de ressarcimento por constrained-off classificado pelo ONS como indisponibilidade externa. A partir de uma análise da realidade de vários países, observou-se que não havia uniformidade na regulamentação do constrained-off, e então optou-se por estabelecer um nível de interrupção elegível para ressarcimento, vinculado à indisponibilidade dos ativos de transmissão que superassem a quantidade usual.
Para tanto, foi utilizado o Relatório de Análise Estatística de Indisponibilidades Programadas e Não Programadas de 2018, publicado pelo ONS, e foi feita uma média móvel levando em conta o período de 2014 até 2018, chegando-se à conclusão de que a taxa de indisponibilidade seria de 78 horas por ano para as fontes eólicas, de forma que somente os cortes de geração superiores a esse piso seriam objeto de ressarcimento, nos termos da norma aprovada em 2021. A regulamentação para as usinas solares, aprovada no ano de 2023, seguiu a mesma linha das eólicas, com a diferença na franquia, que é de 30 horas e 30 minutos.
Isto é, o primeiro “mantra” afasta a possibilidade de revisão da Resolução argumentando que essa foi objeto de Consulta Pública (CP) e que se trata de norma recente, ignorando o fato de que a regra somente foi aprovada após determinação judicial sob pena de multa e elaborada com base em análise de outra realidade de operação no SIN, com também uma outra penetração de geradores eólicos e solares na matriz elétrica brasileira.
O segundo “mantra regulatório” é simplesmente alegar que o “risco é do empreendedor”. Todos os geradores compreendem que o acesso ao sistema de transmissão não é ilimitado ou incondicionado, aliás, justamente por isso que são requeridos os Pareceres de Acesso junto ao ONS. Tampouco esses agentes desconhecem que a disponibilidade dos ativos de transmissão é um risco inerente ao negócio e que deve ser precificado no seu plano de negócios.
Contudo, a matriz de risco que o agente deve assumir não pode (nem deve) ser ilimitada e isso deve ser considerado pelo Regulador para proporcionar um adequado ambiente de negócios para o setor. Grosso modo, a estrutura regulatória deve ser suficiente para os agentes atuarem no mercado com previsibilidade, assumindo os riscos típicos de suas atividades, e não serem surpreendidos com um risco não gerenciável.
No caso, observa-se que após os eventos ocorridos em 15 de agosto de 2023 na região Nordeste, os cortes de geração (curtailment) aumentaram expressivamente. E diante do quadro regulatório posto (REN 1.030), há casos em que o número de cortes de geração sem ressarcimento aumentou sete (7) vezes e situações em que geradores têm mais de 60% de sua geração cortada sem qualquer ressarcimento. Isso ocorre porque a classificação dos cortes, na média, em 85% das vezes é categorizada como “confiabilidade elétrica” ou “razão energética”, em que (nos termos da REN 1.030) não é devido qualquer ressarcimento ao gerador. E quando o evento é classificado como “indisponibilidade externa”, nos outros 15% das vezes, em virtude das franquias mínimas (piso), o ressarcimento só acontece em 2% dos casos.
Assim, não obstante o fato de que o empreendedor deve assumir riscos de natureza típica do negócio, não há como aplicar esse entendimento indistintamente para todo e qualquer risco existente, especialmente se a matriz de risco foi substancialmente alterada e a regra regulatória é mantida.
O terceiro “mantra regulatório” é que o “consumidor não deve pagar por energia que não precisa”. Em uma análise apressada e superficial do problema, não há como discordar dessa afirmação, pois o princípio fundamental da economia é “oferta x demanda”, de modo que se não há demanda, o consumidor não deve pagar por um item (energia) que não precisa.
Esse mantra se refere basicamente aos cortes por razão energética, em que há mais geração do que consumo. Ocorre que é importante aprofundar e especializar o debate. Por exemplo, nos casos em que o corte atinge um Contrato de Energia de Reserva (CER).
O CER conceitualmente tem como função aumentar a segurança do fornecimento de energia do SIN, na medida em que acrescenta garantia física ao SIN, mas não constitui lastro para revenda de energia. À parte qualquer consideração sobre se deveriam ser feitos contratos dessa natureza com fontes intermitentes, a realidade é que tais contratos existem e que eles possuem a finalidade específica de garantir o atendimento estrutural à carga.
Se esse é o propósito do CER e, em determinado momento, a carga não apenas está plenamente atendida, mas há também um excedente de geração, como a eventual redução da geração por razão energética pode não ser passível de ressarcimento em um contrato regulado concebido justamente para garantir a segurança do fornecimento?
Assim, ainda que se concorde com a impossibilidade de o consumidor pagar por uma energia que não precisa, a análise não pode ser superficial e deve-se analisar as características de cada contrato regulado.
Posto isso, o tema constrained-off é inegavelmente um problema regulatório que deve ser tratado no âmbito da regulação, ainda que outras iniciativas da governança setorial também devam ocorrer, tal como o reforço de rede (com vistas a minimizar o curtailment). No entanto, a temática específica do ressarcimento previsto na REN 1.030 demanda ação exclusiva da ANEEL, no sentido de rever a norma e aprimorar a metodologia de ressarcimento.
Acredito que a eventual revisão da norma poderia manter as três classificações de constrained-off, tal como conhecemos, alterando, contudo, a repercussão econômica quanto ao ressarcimento. Além disso, qualquer alteração da Resolução deveria levar em conta que estamos frente a uma oportunidade de dar incentivo regulatório aos geradores solares e eólicos a instalarem sistemas de armazenamento (Battery Energy Storage System – BESS) para fazerem jus a um novo tratamento regulatório relativo a constrained-off.
Dessa forma, acredito que a revisão da REN 1.030 seria a oportunidade não apenas de alterar a estrutura regulatória de constrained-off, mas também de servir de incentivo para inserção de armazenamento de energia na geração renovável.
Assim, entendendo que “Indisponibilidade Externa” é decorrente de um fato externo ao gerador, alheio à operação regular do sistema elétrico, penso que poderia ser mais adequado não estabelecer nenhuma franquia, possibilitando o ressarcimento de todos os cortes em virtude dessa classificação, desde o primeiro momento.
Por sua vez, para “Confiabilidade Elétrica”, que decorre de razões elétricas externas, poderíamos ter então seu risco compartilhado entre geradores e consumidores, por meio do estabelecimento de um teto de ressarcimento. Dessa forma, os primeiros cortes de geração seriam suportados (ressarcidos) pelos consumidores, ao passo que a partir de determinado patamar o gerador arcaria com esse risco, cabendo a si equilibrar tal risco frente à melhor solução de BESS que atenda a sua realidade.
Por fim, “Razão Energética” continuaria sem ensejar qualquer ressarcimento aos geradores, ressalvada a necessidade de se analisar a natureza dos contratos regulados como, por exemplo, no caso citado anteriormente para os contratos de energia de reserva.
Como contrapartida para adesão ao novo regulamento, penso que seria necessária a adoção de BESS pelos geradores eólicos e solares correspondente a um percentual da capacidade instalada de seus parques. Levando em conta dados de março de 2025, temos 17 GW de capacidade instalada de geração centralizada de fontes solares e 33 GW de fontes eólicas, totalizando 50 GW atualmente de ambas as fontes. Assim, caso a referida contrapartida seja de 5% da potência instalada, por exemplo, teríamos a instalação do equivalente a 2,5 GW de sistemas de armazenamento com vistas a que todos esses parques fizessem jus à nova dinâmica de ressarcimento.
Além de servir de mecanismo de proteção aos geradores – permitindo o armazenamento de energia durante momentos de curtailment para posterior injeção na rede –, a adoção de BESS também beneficia os consumidores, pois contribui para a resiliência da rede, reduz oscilações de tensão e frequência, e pode até mesmo minimizar custos, como os Encargos de Serviços do Sistema (ESS), ao evitar o despacho de usinas térmicas de alto custo variável.
Desta forma, penso que eventual reexame da REN 1.030, não apenas tornaria a regra regulatória mais alinhada ao atual contexto e à crescente participação de fontes renováveis na matriz elétrica, como também criaria incentivos regulatórios para a rápida adoção de BESS pelos geradores de fontes renováveis intermitentes, beneficiando todo o setor elétrico brasileiro.
Sobre esse último aspecto, é importante destacar que, embora a regulação de armazenamento de energia elétrica esteja em fase avançada de debates no âmbito da CP nº 39/2023, a discussão para sua adoção especificamente para a mitigação de curtailment está prevista apenas para o terceiro ciclo regulatório planejado pela ANEEL na referida Consulta Pública. Trata-se, portanto, de uma oportunidade excepcional para antecipar um debate – e uma regulação – tão relevante para o setor.
Diante disso, combater “mantras” e pensar fora da caixa seriam as ferramentas necessárias para atualizar a regulação de constrained-off que, repito, é matéria eminentemente regulatória que depende essencialmente da ANEEL.
Notas
[1] Processos 48500.001945/2025-09 e 48500.006080/2022-16 deliberados, respectivamente, na 3ª e 5ª Reunião Pública Ordinária (RPO) da ANEEL de 2025.
Fernando Mosna é diretor da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL)
Fonte - Portal CanalEnergia
RENOVÁVEIS ATINGEM 69% DA MATRIZ ELÉTRICA NA AMÉRICA LATINA E CARIBE
Relatório da Organização Latino-Americana de Energia mostra geração de eletricidade crescendo 5,5% na região em 2024, com destaque para as fontes hidrelétrica e solar
A América Latina e Caribe atingiram um porcentual de 69% em capacidade renovável em suas matrizes elétricas. Segundo da Organização Latino-Americana de Energia (Olade), a geração de eletricidade cresceu 5,5% no ano passado na comparação com 2023 impulsionado principalmente pela expansão das usinas eólicas e solares, e por uma maior participação do gás natural na matriz elétrica regional.
A hidroenergia liderou a produção em 2024, com 45%, seguida pelo gás natural (25%); eólica (12%), solar (7%), enquanto carvão mineral, nuclear e derivados do petróleo aparecem com 2% de representatividade. Já a tecnologia geotérmica finaliza o índice com 1%.
Fonte – Portal CanalEnergia
ANEEL APONTA PEQUENA MELHORA EM DEC/FEC ANO PASSADO
Valor pago pelas distribuidoras como compensação aos consumidores chegou a R$ 1,1 bilhão, segundo balanço da agência
Os indicadores de qualidade no fornecimento de energia elétrica mantiveram, na média, a trajetória de queda em 2024, com pequena redução de 1,7% na duração (DEC) e de 5% na frequência (FEC) das interrupções na prestação do serviço. Já as compensações pagas pelas distribuidoras aos consumidores por ultrapassagem dos indicadores aumentaram de R$ 1,080 bilhão em 2023 para R$ 1,122 bilhão no ano passado.
Os dados estão no balanço divulgado pela Aneel nesta quarta-feira, 2 de abril. O levantamento mostra que os consumidores ficaram, em média, 10,24 horas sem energia, com uma média de 4,89 desligamentos no país.
O número total de compensações na conta de energia aumentou de 22,3 milhões para 27,3 milhões, em razão de mudança nas regras que permitiu direcionar maiores valores para os consumidores com piores níveis de qualidade.
O desempenho dos índices DEC e FEC é uma variável crucial na avaliação da Aneel sobre o atendimento pelas distribuidoras dos critérios de eficiência na prestação do serviço, no processo de renovação das concessões. As 19 distribuidoras com contratos a vencer entre 2025 e 2031 ratificaram o interesse na prorrogação contratual, e cabe à Aneel, a partir da análise da situação de cada uma delas, recomendar ao Ministério de Minas e Energia a assinatura do contrato.
Pelo cronograma estabelecido, a agência tem 60 dias para apresentar a manifestação, e o MME mais 30 para decidir se convoca ou não a empresa para assinatura do aditivo com as condições do novo contrato.
Fonte – Portal CanalEnergia